Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)
Gosto de ouvir o português do Brasil
Onde as palavras recuperam sua substância total
Concretas como frutos nítidas como pássaros
Gosto de ouvir a palavra em suas sílabas todas
Sem perder sequer um quinto de vogal
Quando Helena Lanari dizia o "coqueiro"
O coqueiro ficava muito mais vegetal
Língua portuguesa Olavo Bilac (1865-1918) Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura. Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela, E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, em que da voz materna ouvi: "meu filho!", E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho! Os versos acima foram extraídos do livro "Poesias", Livraria Francisco Alves - Rio de Janeiro, 1964, pág. 262.
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Aula de português
Carlos Drummond de Andrade(1902-1987)
A linguagem na ponta da língua, tão fácil de falar e de entender.
A linguagem na superfície estrelada de letras, sabe lá o que ela quer dizer?
Professor Carlos Góis, ele é quem sabe, e vai desmatando o amazonas de minha ignorância. Figuras de gramática, esquipáticas, atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.
Já esqueci a língua em que comia, em que pedia para ir lá fora, em que levava e dava pontapé, a língua, breve língua entrecortada do namoro com a prima.
O português são dois; o outro, mistério.
Língua
Caetano Veloso
Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar a criar confusões de prosódia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior?
E deixe os Portugais morrerem à míngua
"Minha pátria é minha língua"
Fala Mangueira! Fala!
Flor do Lácio Sambódromo Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode esta língua?
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PRONOMINAIS Oswald de Andrade (1890-1954) Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro
A minha pátria é a língua
portuguesa
Fernando Pessoa
Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém paginas de prosa me teem
feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noute em que, ainda
creança, li pela primeira vez numa selecta, o passo celebre de Vieira sobre o
Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palacio..." E fui lendo, até ao
fim, tremulo, confuso; depois rompi em lagrimas felizes, como nenhuma
felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar.
Aquelle movimento hieratico da nossa clara lingua majestosa, aquelle exprimir
das idéas nas palavras inevitaveis, correr de agua porque ha declive, aquelle
assombro vocalico em que os sons são cores ideaes - tudo isso me toldou de
instincto como uma grande emoção politica. E, disse, chorei; hoje, relembrando,
ainda chóro. Não é - não - a saudade da infancia, de que não tenho saudades: é
a saudade da emoção d'aquelle momento, a magua de não poder já ler pela primeira
vez aquella grande certeza symphonica.
Não tenho sentimento nenhum
politico ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriotico.
Minha patria é a lingua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem
Portugal, desde que não me incommodassem pessoalmente, Mas odeio, com odio
verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não
quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a
pagina mal escripta, como pessoa própria, a syntaxe errada, como gente em que
se bata, a orthographia sem ípsilon, como escarro directo que me enoja
independentemente de quem o cuspisse.
Sim, porque a orthographia também é gente. A palavra é completa
vista e ouvida. E a gala da transliteração greco-romana veste-m'a do seu vero
manto régio, pelo qual é senhora e rainha.
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